Cansaço


Fazia uma semana que eu estava fazendo um estágio voluntário em uma Unidade Básica de Saúde e aquele dia estava sendo, até o momento, como os outros dias da semana, em que eu acompanhava as consultas com o médico do posto, ouvia várias histórias de vários pacientes e percebia cada vez mais a importância da Estratégia de Saúde da Família. Eram 16:00 e era a última consulta do dia. O médico me adiantou:
– Essa vai ser a primeira consulta desse paciente nessa UBS. É uma criança de seis anos que tem autismo. A agente comunitária de saúde já fez uma visita domiciliar e disse que ele é bem complicado de lidar. Então não sei como vai ser.

Dito isso, o paciente chegou pouco tempo depois acompanhado de sua mãe. Foram convidados para o consultório pelo médico e assim o fizeram. Sentei-me no banco ao lado do doutor e observei a mãe e o filho. A mãe era nova e apresentava uma fisionomia cansada. O filho era um menino, usava um boné roxo e tinha peso e altura própria para a idade, porém ele não falava.

A consulta se iniciou e a criança se levantou para pegar o oftalmoscópio em cima da mesa e brincar com ele. O médico pegou o aparelho, guardou e entregou um estetoscópio antigo para ele brincar. Assim ele fez, até largá-lo e começar a andar pela sala. Tentou abrir o armário de equipamentos e eu o tranquei para evitar que algo quebrasse. Depois ele começou a mexer nas folhas que estavam em cima da mesa, depois nas pastas do pacientes, depois no computador, depois em qualquer coisa que ele encontrasse na frente. O menino não ficava parado por um segundo e a mãe não tinha conseguido relatar quase nada ao doutor devido a isso.

Até que a criança descobre a maçaneta da porta e sai da sala. Eu fiquei assustado com aquilo e sai da sala também para tentar trazer a criança de volta pra mãe. Ele saiu correndo pelo posto de saúde e entrou na sala de reunião, mexendo em todas as coisas que estavam por ali. Eu corria atrás dele e tentava inutilmente convencê-lo a voltar para a sala em que estava a sua mãe. Parecia que ele não me ouvia, ele só continuava correndo por aquela sala e tocando em tudo que visse pela frente. Até que ele continuou a correria, saiu dali e entrou no consultório do dentista que estava vazio. Começou a andar de um lado para o outro observando e tocando tudo que tinha à sua volta. Ameaçou tocar em alguns equipamentos mais frágeis que estava ali quando eu disse um pouco mais alto "Não pode!". Ele me olhou e continuou a correr, saindo da sala.

A próxima sala era a farmácia. Ele entrou correndo, observava e tocava em tudo. Eu já estava cansado de correr atrás dele e implorava em pensamento para a mãe dele voltar logo. Continuou a correr, saiu da farmácia e foi para uma outra sala ao lado. Continuava tocando em tudo. Entrou no banheiro que havia nessa sala e foi em direção ao chuveiro esticando a mão até o registro. Eu pensei "Meu Deus! A criança vai se molhar toda". Olhei pra ele e disse "Não pode!". Ele tirou a mão e levou a atenção para o ralo onde tentava enfiar a mão. "Não pode!". Ele saiu do banheiro e continuou a correr por toda a UBS. Repetia em vão várias vezes "dá a mão pro tio" ou "vamos até sua mãe" e a criança continuava a correr.

Percebi que um homem sentado na recepção observava todo meu sufoco. A criança continuou correndo. Foi para a secretaria, observou o ventilador e tentou botar o dedo nele. "Não pode!". Ele correu e foi pra cozinha. Abria a geladeira e tirava tudo que tinha dentro. "Não pode!". Foi para os computadores, foi para os documentos e começou a mexer. Quando aquela criança ia se acalmar? Não aguentava mais correr.

Ele saiu do computador e foi para o portão. "MEU DEUS, AGORA FERROU!" eu pensei. Ele saiu da UBS e começou a correr pela rua. Eu fiquei desesperado e saí correndo atrás dele. Consegui alcançar, peguei ele no colo e trouxe ele de volta para a UBS. Chegando, ele começou a se espernear e eu botei no chão. Ele começou a andar em direção à sala em que estava sua mãe e eu pensei: ufa! Ele parou, olhou pra porta alguns segundos, virou e voltou a correr. Voltou a correr por todo o posto, indo de sala em sala novamente na mesma sequência. Quando voltava para o ponto de partida, repetia todo o percurso. Várias e várias vezes. A todo tempo eu correndo atrás dele, impedindo de mexer em coisas que não podia e tentando convencer ele a voltar para a sua mãe. Quando chegamos perto da sala onde estava a mãe, depois de várias corridas pelo posto, eu abri a porta e olhei pra ela com olhar de "me ajuda" e ele finalmente entrou na sala. Eu estava suando.

Sentei de novo no banco ao lado do doutor. Eu estava exausto. Não aguentava mais correr. Só fiquei observando sentado enquanto ele continuava a correr pela sala. O médico tentou auscultar ele mas não conseguia, porque ele não parava quieto em um lugar. Até que uma hora ele correu em direção a mim e me abraçou. Fiquei paralisado, não sabia muito bem como reagir. E naquele momento, enquanto me abraçava ele permaneceu quieto por alguns segundos. Segundos suficientes para que o médico pudesse auscultá-lo.

A consulta acabou e acompanhamos os dois até a recepção, quando eles vão de encontro ao homem que antes observava toda a minha aventura com o menino. Era o pai dele. Naquele momento eu fiquei indignado. "Que absurdo! Como assim ele me viu correndo atrás do filho dele durante todo esse tempo e não fez nada?". Quando eles foram embora, passei a situação para o médico e a enfermeira e ela, como se estivesse lido meus pensamentos, compartilhou da minha indignação em relação ao pai. Até que o médico disse:

– Tudo que você passou agora, aquela família vem passando durante seis anos. Naquele momento, aquele pai viu uma forma de descansar.



Lucas Azevedo

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