Aquele senhor...

Mais de um ano se passou e ainda me lembro daquele senhor que nos olhava sempre de longe dentro do asilo. Lembro de todas as vezes em que o chamei para conversar e se juntar a nós no corredor e ele nunca desviou seus olhos do televisor imenso em que estava mergulhado, quase que hipnotizado. Quando olhava pra mim era apenas para mostrar sua indignação por eu estar lhe importunando. Acredito ter ouvido de sua boca apenas um redondo e forte “não”. Sério. Fechado. Sentado imponente no sofá, como se lá fosse seu lugar soberano. E realmente era. Qualquer som que destoasse de sua TV o fazia aumentar de forma ensurdecedora o volume do aparelho. Quando deixávamos a instituição, ele sempre estava na janela, olhando-nos, não mais com a cara embotada, mas sim com uma expressão de tranquilidade, talvez porque nós não o incomodaríamos mais naquele dia. Certa noite, quando já estávamos para fora do portão, acenei para ele, que surpreendentemente retribuiu abanando sua mão, deixando-me até hoje instigada, sem saber se nossa presença lá o fazia feliz ou se apenas era um motivo para que ele se distraísse, mesmo que essa distração fosse ruim.  Fico até hoje pensando, lembrando daquela fatídica cena que me motivou, ou pelo menos me confortou, a continuar nosso trabalho com idosos.


Eduarda Cecilia Pinguello

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